O conceito de reforma agrária tem sofrido tantas e tais deformações em nosso país que antes de começarmos a falar sobre o assunto devemos esclarecer qual o conceito adotado. Esta questão tem sido motivo de preocupações de vários estudiosos do assunto, que em diversas oportunidades manifestam-se favoráveis à adoção do conceito de reforma agrária "em seu sentido mais amplo social e econômico", no sentido de contrapor-se aos pronunciamentos de Governadores de Estado, dirigentes de empresas e parlamentares, que dominados pela demagogia, deturpam a doutrina reformista, cunhando para a conveniência e uso pessoal, sua própria conceituação de reforma agrária.
Mas o que é reforma agrária?
Em linhas gerais esse conceito contém um componente de redistribuição do direito de propriedade sobre a terra e/ou a concessão de segurança, longos prazos e baixos preços para as terras ocupadas de forma precária e que visam o melhoramento do setor agrícola.
Essas medidas que visam o melhoramento do setor agrícola podem ser classificadas em três tipos:
a) simples instrumentos de política
b) modificações nas estruturas existentes
c) reformas propriamente ditas
As mudanças instrumentais raramente conduzem a qualquer transformação substancial na estrutura da economia, uma vez que dizem respeito apenas à utilização de mudanças quantitativas, como são os aumentos dos impostos ou modificação nas taxas do arrendamento de terras ou parceria.
Quanto aos outros dois tipos de políticas previstos, a diferença fundamental entre eles está no fato de que as "modificações nas estruturas existentes", são medidas de intervenção que visam apenas uma mudança no contexto e a permanência de um determinado "status quo". Ao contrário, as reformas ou mudanças das estruturas implicam a troca dos sistemas vigentes por outros, como é o caso da modificação do regime de posse e uso da terra, da introdução da agricultura de grupos, etc.
Partindo desses pressupostos José Gomes da Silva, um economista, considera que "reforma agrária é o "processo amplo, imediato e drástico de redistribuição de direitos sobre a propriedade privada da terra agrícola, promovido pelo Governo, com a ativa participação dos próprios camponeses e objetivando a sua promoção humana, social, econômica e política."
Segundo este conceito, a reforma agrária é um processo, ou seja, uma série ordenada de fatos sucessivos, implicando uma idéia de tempo e espaço; amplo, de modo a beneficiar uma parte significativa da população sem terra; imediato, não podendo arrastar-se indefinidamente, frustando as esperanças de seus possíveis beneficiários e dando oportunidades às forças da contra reforma de se rearticularem.
A modificação ocasionada pela reforma agrária precisa ser drástica, no sentido de que a agricultura reformada precisa apresentar características estruturais totalmente diferentes daqueles há pouco modificadas, sendo a sua principal diferença, a redistribuição do regime de posse, uso e gozo da terra que constitui a essência do processo reformista.
A agricultura é o setor onde ela deve se processar, embora seus efeitos possam e devam repercutir nos demais setores econômicos. Ao Governo deve caber a responsabilidade de concretizar o processo da reforma agrária a fim de garantir que um grande número de famílias seja atingido pelo processo, que deve contar com a participação efetiva dos próprios interessados, no sentido de entendimento do processo em sua totalidade e a capacitação para participar do mesmo.
I - OBJETIVOS
Essa proposta de reforma agrária é parte dos anseios da classe trabalhadora brasileira de construir uma nova sociedade: igualitária e socialista. Desta forma, as propostas de medidas necessárias fazem parte de um amplo processo de mudanças na sociedade e, fundamentalmente, da alteração da atual estrutura capitalista de organização da produção.
A reforma agrária tem por objetivo:
* garantir trabalho para todos, com a conseqüente distribuição de renda;
* produzir alimentação farta, barata e de qualidade para toda população brasileira, possibilitando segurança alimentar para toda sociedade;
* garantir o bem estar social e a melhoria das condições a todos os brasileiros. De maneira especial aos trabalhadores e, prioritariamente, aos mais pobres.
* buscar permanentemente a justiça social, a igualdade de direitos em todos os aspectos: econômico, político, social, cultural e espiritual;
* difundir os valores humanistas e socialistas, nas relações entre as pessoas, eliminando-se as práticas de discriminação racial, religiosa e de gênero;
* contribuir para a criação de condições objetivas de participação igualitária da mulher na sociedade, respeitando sua qualidade de direitos iguais;
* preservar e recuperar os recursos naturais, como solo, águas e florestas, de maneira a se ter um desenvolvimento auto-sustentável;
* implementar a agroindústria e a indústria como fator de desenvolvimento do interior do país.
II - CARACTERÍSTICAS DA REFORMA AGRÁRIA
A reforma agrária regula um conjunto de medidas estruturais e que começam necessariamente pela democratização da propriedade da terra e dos meios de produção, base para qualquer mudança social efetiva.
1. O SISTEMA ECONÔMICO
Todo processo de organização e desenvolvimento da produção no campo deve levar em conta a supremacia do trabalho sobre o capital. Deve-se buscar a eliminação de todas as formas de exploração e de opressão. A valorização e a garantia de trabalho para todos como forma de libertação e de construção da dignidade e da igualdade entre as pessoas.
Deve-se buscar a geração de excedentes econômicos através do aumento da produtividade do trabalho, do aumento da produção e da produtividade na agricultura e na agroindústria, como forma de promover o progresso econômico e social.
2. DEMOCRATIZAÇÃO DA TERRA E DOS MEIOS DE PRODUÇÃO
A terra deve ser entendida como um bem da natureza a serviço de toda sociedade. Um bem de todos para atender as necessidades de todos. A propriedade ou posse da terra deve estar subordinada ao cumprimento dessa função social e poderá ser exercida de várias formas como: familiar, associação, cooperativa, de empresa comunitária, estatal, pública, etc. de acordo com as necessidades sociais de cada região.
Para isso se deverá alterar a atual estrutura de propriedade realizando desapropriações (com indenizações aos proprietários) e expropriações (sem indenização, nos casos de: grileiros, criminosos, cultivo de drogas, contrabandistas, trabalho escravo, etc...); para que se garanta o direito de todos trabalharem na terra, e que ela esteja subordinada aos objetivos gerais assinalados.
A democratização da terra deve seguir critérios como:
* priorizar o assentamento em terras próximas às cidades, viabilizando o abastecimento de forma mais barata e a infra-estrutura econômica e social;
* o tamanho e forma das propriedades dependerão de cada região, da sua vocação natural e das perspectivas de desenvolvimento;
* regularizar a posse da terra de todos os pequenos produtores familiares que vivem hoje, na, instabilidade como posseiros;
* democratizar o acesso aos meios de produção;
* a extração de madeira e todos recursos naturais serão controlados pelos trabalhadores, através do Estado, para que beneficie os interesses sociais.
* impedir que bancos, empresas estrangeiras, grupos industriais nacionais, que não dependem da agricultura, possuam terras;
* a garantia da propriedade e de sua função social será realizada através da aplicação de várias formas de titulação e legitimação, como: concessão de uso, propriedade definitiva, título coletivo, etc;
* proibição de cobrança de renda da terra;
* impedimento da venda de lotes, por parte dos beneficiários da reforma agrária;
* democratizar o uso das águas, garantindo o uso coletivo pelas comunidades, para sua subsistência e extrativismo;
* penalizar e recolher as terras mal utilizadas ou em dívida de impostos;
* adequar a distribuição das terras públicas, devolutas (da União e dos Estados) a esses objetivos.
3. A ORGANIZAÇÃO DA PRODUÇÃO
A organização da produção será orientada para que se alcance os objetivos gerais. Poderão haver várias formas complementares de produção, seja nas unidades familiares, seja nos novos assentamentos, segundo alguns indicativos:
* o tamanho das unidades de produção dependerá das regiões e dos produtos a que se dedicarem;
* estimular as diversas formas de cooperação na agricultura, como: mutirões, associações, empresas públicas, cooperativas, empresas de prestação de serviços, etc...;
* estimular as famílias que vivem no interior, à agrupar-se de acordo com a realidade regional, em povoados, comunidades, agrovilas, etc. de modo a facilitar o atendimento dos serviços públicos de luz elétrica, saúde, educação, etc...;
* fortalecer a organização dos trabalhadores em sindicatos, cooperativas, associações, conselhos, comitês, movimentos, etc... de acordo com sua experiência, tradição e realidades locais, para que através da organização popular exerçam plenamente sua cidadania e garantam seus direitos e deveres sociais;
* os pequenos produtores familiares autônomos terão estímulo da política agrícola para aumentar a produção, a produtividade e melhorar sua situação de vida;
* buscar uma integração permanente da produção com a agroindústria, visando aumentar a renda dos agricultores e a qualidade dos alimentos;
* realizar um planejamento orientador da produção, adequando a vocação natural das regiões aos mercados próximos e às necessidades sociais
* estimular a organização dos assalariados para participar, controlar, organizar cooperativas, autogerir ou co-participarem na gestão das empresas onde trabalham. Os assalariados terão os direitos trabalhistas e sociais garantidos, como salário digno, condições de trabalho, jornada de trabalho adequada, e participação no resultado econômico das empresas, bem como programas de capacitação e especialização permanentes.
4. UMA NOVA POLÍTICA AGRÍCOLA
A política agrícola é o conjunto de medidas e instrumentos de que o governo dispõe para estimular a produção agropecuária e orientá-la de acordo com seus objetivos. Buscando também aumento de renda para todos pequenos e médios agricultores que produzem alimentos.
A implantação da reforma agrária será complementada com medidas de política agrícola, que:
* garantam preços compensatórios aos agricultores. Ou seja, o governo garantirá preços acima do custo de produção, representando um aumento de renda para pequenos e médios agricultores;
* o Estado garantirá o comércio (transporte e armazenagem) e estimulará a produção de todos os produtos básicos para alimentação, e, em caso necessário, subsidiará o consumo, fazendo com que toda população tenha acesso ao mínimo necessário, para eliminar completamente a fome no país. Deve-se evitar a importação de produtos que se pode produzir aqui;
* deverá haver um seguro agrícola para garantia do valor do trabalho e da produção do agricultor;
* o crédito rural dos bancos públicos será orientado para investimentos e para as atividades prioritárias da reforma agrária, investimentos sociais, e programas subsidiados;
* o Estado deverá estimular o uso de técnicas de irrigação e outras técnicas necessárias em todas as unidades de produção em que for possível, para que, se possa ter aumento da produtividade em todo o país;
* incentivo à formação de Bancos de Sementes, associativos, para assegurar o acesso e melhoria dos insumos utilizados.
5. A INDUSTRIALIZAÇÃO DO INTERIOR DO PAÍS
O programa de reforma agrária deverá ser um instrumento para levar a industrialização ao interior do país, promovendo um desenvolvimento mais harmônico entre as regiões, gerando mais empregos no interior e criando oportunidades para a juventude. Nesse sentido:
* o processo de desenvolvimento deve eliminar as diferenciações existentes entre o meio urbano e o meio rural. As condições de vida devem se equiparar e, portanto, o programa de reforma agrária deve representar o desenvolvimento para todo interior do país;
* instalar agroindústrias nos municípios do interior buscando o aproveitamento de todos produtos agrícolas gerando mais empregos, aumentando a renda e criar alternativas para produção;
* as indústrias vinculadas à agricultura, que produzem insumos ou máquinas, devem ser descentralizadas e instaladas no interior.
6. O DESENVOLVIMENTO DO SEMI-ÁRIDO (PROGRAMA DE IRRIGAÇÃO E COMBATE À SECA NO NORDESTE)
Na região do semi-árido, localizada no Nordeste do país e que abrange vários estados, vivem milhares de famílias de camponeses, que têm na agricultura sua única alternativa de subsistência. Essa região é assolada pelas condições climáticas de secas periódicas e pelo domínio dos "coronéis". O governo deve implementar um programa especial adequando às características dessa região, de forma a solucionar o problema e que:
* distribua aos camponeses as terras próximas a rios, açudes, canais e barragens existentes construídas com recursos públicos, bem como às margens dos rios perenes da região (São Francisco, e outros);
* implementação de um amplo programa de irrigação que viabilize a agricultura permanente na região, beneficiando os pequenos agricultores e estimulando a criação de animais e cultivos adaptáveis à região;
* implementar agroindústrias e pequenas indústrias que promovam o desenvolvimento e fixem o homem na região;
* construção de reservatórios, captação e democratização de uso da água, com recursos públicos e construção de reservatórios nas regiões e democratização de uso das águas;
* garantia de compra de toda a produção.
7. UM NOVO MODELO TECNOLÓGICO
O atual modelo tecnológico adotado na agricultura visa apenas o lucro das empresas produtoras de insumos. Predatório dos recursos naturais: solo, água, clima, fauna e flora, e sobretudo, prejudicial ao ser humano, tanto pela contaminação dos produtos no uso de agrotóxicos, como por comprometer os recursos naturais para as gerações futuras.
Deve-se desenvolver pesquisas e técnicas adequadas a cada região, buscando o aumento da produtividade do trabalho, das terras, mas preservando o meio ambiente e os recursos naturais. Utilização de técnicas adequadas e desenvolvimento de programas massivos de capacitação técnica dos agricultores em todas as regiões do país, especializando quadros em áreas específicas do novo modelo tecnológico.
Implementar pesquisas e técnicas agropecuárias que levem a um novo modelo adequado à realidade nacional e de desenvolvimento auto-sustentado, envolvendo universidades e a pesquisa participativa. Os serviços de assistência técnica e de extensão rural do Estado deverão estar voltados para as prioridades da reforma agrária e para a implementação desse novo modelo tecnológico. Democratização do acesso à genética vegetal e animal.
8. O DESENVOLVIMENTO SOCIAL
O desenvolvimento da produção agropecuária e agroindustrial deverá ser acompanhado de um amplo programa de atendimento social, por parte do Estado, que garanta a toda a população do interior:
* alfabetização de todos, jovens e adultos;
* garantia de escola pública gratuita até o segundo grau, em todos municípios, com ensino adequado à realidade local. Garantia de que os jovens possam ter acesso e capacitação ao ensino superior;
* valorização dos professores do meio rural, garantindo-lhes remuneração justa e integrando-os às atividades da comunidade;
* atendimento médico-hospitalar, programas de medicina preventiva gratuitos;
* implementação de programas da construção de moradia para todos;
* amplo programa de cultura e lazer a todos trabalhadores do meio rural;
* democratização dos meios de comunicação social.
IV - OS MECANISMOS DE IMPLEMENTAÇÃO DO PROGRAMA
A correlação de forças existentes atualmente em nossa sociedade favorece as classes dominantes, que controlam o governo e as leis. Os interesses dos latifundiários, da burguesia e do capital estrangeiro possuem ainda uma enorme força para manter por muito tempo a atual situação. Para que possamos alimentar esse programa e torná-lo realidade, depende de dois fatores básicos:
1. MOBILIZAÇÃO POPULAR
Somente com a construção de um amplo movimento popular que reuna milhões de explorados e interessados nas mudanças na sociedade, se poderá alterar a atual correlação de forças e viabilizar o programa proposto. Para isso é necessário, massificar, ampliar a participação popular, as lutas e as mobilizações, cada vez mais garantindo que as mudanças sejam sustentadas por uma ampla participação popular, antes e durante o processo de mudanças.
As conquistas atuais de assentamentos, associações, cooperativas e organizações sociais, fazem parte do processo de mobilização e acúmulo de forças para realização de uma reforma agrária ampla. A luta cotidiana irá modificando e ajustando na prática este programa.
2. A AÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO E POPULAR
Essas mudanças dependem necessariamente de que o Estado, seja o instrumento fundamental de implementação dos propostas. Seguramente deverá ser um Estado diferente do atual. Deverá ser gerido democraticamente, com ampla participação das massas e buscando sempre o bem comum. Por outro lado, deverá haver um novo nível de colaboração e complementariedade, entre os governos federal, estadual e municipal.
A QUESTÃO AGRÁRIA
A questão agrária no momento atual envolve permanente tensão e um agravamento progressivo devido ao descaso governamental(demora na realização dos assentamentos e falta de apoio aos novos assentados).
Presente tanto nos Estados desenvolvidos como nos subdesenvolvidos, o problema no campo no Brasil cresce e dá margem a radicalismos: invasões e enfrentamentos. Resolver o problema não é simples pois é necessário a junção de terra produtiva com sistema de racionalidade econômica auto-sustentável e ligado ao modo de produção do país, para com isso diminuir e possibilitar o fim dos problemas ligados à terra. A atividade econômica depende de permanente subsidiação e boa vontade e senso de justiça não resolverão os problemas instaurados na questão. O primeiro passo para a solução do problema é entender o mesmo em toda sua extensão, sob vários ângulos.
Brasil conjuntura
atual - Com seu privilégio territorial, o Brasil jamais deveria
ter o campo conflagrado. Existem 371 milhões de hectares prontos
para a agricultura no país, uma área enorme, que eqüivale
aos territórios de Argentina , França, Alemanha e Uruguai
somados. Mas apenas 14% dessa terra, igual à Alemanha, tem algum
tipo de plantação. Outros 48%, área quase igual à
do México, destinam-se à criação de gado. O
que sobra, uma África do Sul inteira, é o que os especialistas
chamam de terra ociosa. Nela não se produz 1 litro de leite, uma
saca de soja, 1 quilo de batata ou um cacho de uva. Por trás de
tanta terra à toa esconde-se outro problema agrário brasileiro.
Quase metade da terra cultivável está nas mãos de
1% dos fazendeiros, enquanto uma parcela ínfima, menos de 3% , pertence
a 3,1 milhões de produtores rurais. É como se a população
da cidade de Resende, no interior do Estado do Rio de Janeiro, fosse dona
de três Franças, enquanto a população da Nova
Zelândia tivesse apenas um Estado de Santa Catarina.
"O problema
agrário no país está na concentração
de terra, uma das mais altas do mundo, e no latifúndio que nada
produz," afirma o professor José Vicente Tavares dos Santos, pró-reitor
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Nos últimos quinze anos foram registradas 115 mortes resultadas de chacinas cometidas contra os sem-terra e os trabalhadores rurais. A composição dos sem-terras é de expulsos do campo, desempregados urbanos, excluídos, biscateiros das periferias das grandes cidades. As causas para a formação dos sem-terras são: perda da propriedade, falta de chuvas, venda da fazenda pelo pai, perda das terras por inundação de represa, entre outros.
A concentração está nas mãos da oligarquia rural que possui bancada de 150 parlamentares no Congresso Nacional. Esta oligarquia evita a modernização na propriedade, impede mudanças no imposto territorial rural, o ITR, que atualmente corresponde a 20% do IPTU de Porto Alegre. Esta oligarquia explora a monocultura de exportação e não se interessa pelo abastecimento do mercado interno, adora dar calote em banco oficial. Os médios e grandes proprietários devem 82% dos 8 bilhões de reais que o Banco do Brasil tem para receber dos agricultores, em contra partida os pequenos proprietários devem 7,5% e as cooperativas respondem por 9,5%.
Os campeões do calote são os plantadores de soja, arrozeiros, canavieiros e pecuaristas. Os proprietários das terras improdutivas subvertem a economia agrária, para se ter uma idéia a terra que era reserva de valor nos tempos de inflação fez explodir o preço do hectare. Em 1970 um hectare correspondia a 600 reais hoje ela vale o triplo, isso ocorre devido à especulação que aumenta o preço. No Brasil os pequenos proprietários produzem cerca de 28% do feijão e das aves e 20% dos ovos e do arroz consumidos no país.
O histórico do problema agrário no Brasil - iniciou-se em 1850 com o fim do tráfico de escravos e o Império, sob pressão dos fazendeiros mudou o regime de propriedade. Este consistia em ocupação da terra e posteriormente pedia-se ao imperador um título de posse, depois com o a possibilidade dos escravos virem a ser libertos e tornarem-se proprietários rurais o regime passou a ser de compra e não mais de posse, "trabalho escravo, terra livre; trabalho livre, terra escrava." Prof. José de Souza Martins, da USP.
Nessa mesma época, os Estados Unidos fizeram o inverso abriram o oeste para a ocupação aleatória, exceção para os senhores de escravos do sul. As conseqüências foram a criação de uma potência agrícola, um mercado consumidor, uma cultura mais democrática devido a fundação de uma sociedade de milhões de proprietários. Hoje só há existência de grandes propriedades de terra nos EUA, apenas no sul do país, Califórnia. Isso devido a abundância de mão-de-obra barata dos imigrantes ilegais que fogem da miséria provenientes do México.
O fluxo migratório também está contido na problema agrário são exemplos os gaúchos que foram para Rondônia em 1970 e os nordestinos que vão para São Paulo em busca de emprego, esses são os mais visíveis pois tem mais divulgação. Os menos visíveis são exemplos do tipo dos bóia-frias do Vale do Jequitinhonha em Minas Gerais que migram para a região de Ribeirão Preto em São Paulo, os bóia-frias fazem serviço prestado no corte da cana das usinas de álcool e de açúcar.
ASSENTAMENTO
Um estudo da FAO, a entidade da ONU que cuida de assuntos agrários, mostra que a renda média das famílias instaladas em assentamentos promovidos em nome da reforma agrária chega a 3,7 salários mínimos. É mais do que a renda de 53% dos brasileiros. O estudo tem falhas, não inclui um número razoável de assentamentos, mas não deixa de ser um sinal do que os assentamentos podem fazer por quem vive hoje na periferia das cidades.
De 1927 até o ano passado, o governo promoveu 1000 assentamentos no país, dando terra para 330 000 famílias. É um número tão pequeno que hoje se estima que já existam 5 milhões de famílias que poderiam receber sua fatia. "Nós induzimos os assentamentos a se organizar em cooperativas para obter maior lucro. Estamos buscando a agroindústria", diz Alceu Fernando de Azevedo, diretor de assentamentos do Incra, o órgão responsável pela questão agrária no país e que, só no governo Fernando Henrique, teve quatro titulares.
Se o ritmo dos assentamentos seguir a média dos últimos sessenta anos, os atuais 5 milhões de famílias que dispõem a trabalhar no campo levarão de dez séculos para ter onde plantar. Isso seria lá pelo ano 3041. A política de assentamentos não é uma alternativa barata. O governo gasta em média 30 000 reais com cada família que ganha um pedaço de terra. Essa conta inclui todos os gastos, desde a indenização ao desapropriamento até a infra-estrutura dos assentamentos. Para assentar os 5 milhões de famílias sem-terra seria necessário investir 150 bilhões de reais. A criação de um emprego no comércio custa 40 000 reais. Na indústria, 80 000. Só que esses gastos são da iniciativa privada, enquanto, no campo, teriam de vir do governo. Seria investimento estatal puro, mesmo que o retorno, no caso, seja alto.
De cada 30 000 reais investidos, estima-se que 23 000 voltem a seus cofres após alguns anos, na forma de impostos e mesmo de pagamentos de empréstimos adiantados. "Esse é retorno que temos", diz o presidente do Incra, Raul do Valle. Assim, o gasto real cai para 7 000 reais ou 35 bilhões de reais, no caso de assentar todos os sem-terras.
É muito dinheiro, porém, não é muito mais do que sorveram dos cofres públicos os golpes do Banespa, Nacional, Econômico e Banerj somados. A reforma agrária pode acabar em chacina, mas não quebra o país; banqueiro quebra a economia e ajuda em campanha eleitoral. Conseqüências da lentidão da reforma: urbanização selvagem, criminalidade em alta, degradação das grandes cidades. "Grande parte da chamada urbanização do país, no fundo, é uma favelização", diz o professor gaúcho Tavares dos Santos.
O alto preço da terra não interessa às grandes corporações porque requer um alto investimento e imobiliza o capital por muito tempo até começar a dar retorno. O regime militar no Brasil facilitou a aquisição de terra que até o capital se empolgou. Empresas ganhavam isenção de 50% do imposto de renda em terras no centro-oeste ou no norte do país. Empresas e bancos como Bradesco, Bamerindus e Itaú, Votorantim e Kabin, empreiteiras como Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa, que levaram terras. Estas são na maior parte dos casos sem produção e poucas exceções fizeram sucesso nessa época um exemplo: Olacir de Moraes, instalou-se no centro-oeste e se transformou no rei da soja.
MST
MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM-TERRA
ORIGEM :
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra surgiu pela união de antigos militantes comunistas com católicos radicais e petistas. Nasceu das lutas concretas que os trabalhadores rurais foram desenvolvendo de forma isolada, na região sul, pela conquista da terra, no final da década de 70. O Brasil vivia a abertura política pós-regime militar. O capitalismo nacional não conseguia mais aliviar as contradições existentes no avanço em direção ao campo. A concentração da terra, a expulsão dos pobres da área rural e a modernização da agricultura persistia, enquanto o êxodo para a cidade e a política de colonização entravam em aguda crise. Nesse contexto surge várias lutas concretas que, aos poucos, se articulavam. Dessa articulação se delineia e se estrutura o Movimento Sem Terra, tendo como matriz o acampamento da Encruzilhada Natalino, em Ronda Alta - RS, e o Movimento dos Agricultores Sem Terra do oeste do Paraná.
ANTECEDENTES HISTÓRICOS:
O MST não é algo novo na história do Brasil. É a continuidade das lutas camponesas, em uma nova fase. Durante a colônia (até o fim de 1800), os índios e negros protagonizaram essa luta, defendendo territórios invadidos pelos bandeirantes e colonizadores, ou unindo a luta pela liberdade com a terra da própria e construindo os quilombos. No final do século XIX e início do nosso século, surgiram movimentos camponeses messiânicos, que seguiam um líder carismático. São exemplares os movimentos dos Canudos, com Antônio Conselheiro; do Contestado, com o monge José Maria; o Cangaço, com Lampião, e diversas lutas regionalizadas.
Nas décadas de 30 e 40 ocorreram conflitos violentos, em diversas regiões, com posseiros defendendo as suas áreas, individualmente, com armas nas mãos. Entre 1950 e 1964, o movimento camponês organizou-se enquanto classe, surgindo as Ligas Camponesas, a União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (ULTABs) e o Movimento dos Agricultores Sem Terra (Master).