O movimento mostra números que impressionaram. Em 12 anos de existência conquistou o assentamento de quase 140 mil famílias já foram assentadas; um total superior de qualquer presidente da República, em qualquer época. Dessas famílias, 55 já estão associadas às centrais ligadas à Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária no Brasil (Concrab).
IMPOSTO DO MST :
Todo assentamento ou agro-industrial dá 29%. "Pode sonegar o do governo e não o nosso"(João Stedile). Cada família assentada entrega à organização o equivalente a 1% de sua produção. Pode ser em dinheiro, em sacos de feijão ou até, em galinhas. Caso uma regional resolver não dar nada há uma espécie de discriminação positiva daqueles que não cumprem sua parte. "Quando eles precisam da gente para incluir uma reivindicação sobre crédito agrícola em um encontro com o governo o pessoal pode olhar meio de lado". Em caso de déficit as regionais do MST como SP, RS, PR zeram o vermelho da direção nacional.
OBJETIVOS :
O MST visa três grande objetivos - A terra, a reforma agrária e uma sociedade mais justa. Quer a expropriação das grandes áreas nas mãos de multinacionais, o fim dos latifúndios improdutivos, com a definição de uma área máxima de hectares para a propriedade rural. É contra os projetos de colonização, que resultaram em fracasso nos últimos 30 anos e quer uma política agrícola, voltada para o pequeno produtor. O MST defende a autonomia para as áreas indígenas e é contra revisão da terra desses povos, ameaçados pelos latifundiários. Visa a democratização da água nas áreas de irrigação do Nordeste, assegurando a manutenção dos agricultores na própria região. Entre outras propostas, o MST luta pela punição de assassinos de trabalhadores rurais e defende a cobrança do pagamento do Imposto Territorial Rural (ITR), com a destinação dos tributos à reforma agrária.
REFORMA AGRÁRIA :
A reforma agrária é uma necessidade dos trabalhadores para reduzir a concentração da terra, mudar a forma de utilizá-la e diminuir o êxodo rural. Visa alcançar o desenvolvimento da agricultura de forma a construir um novo modelo econômico em que o campo tem espaço privilegiado. Uma reforma agrária que ao menos garantisse a subsistência da parcela da população, pois desta forma estaria solucionando o problema da fome e do trabalho.
A reforma agrária para o MST só será possível se amplas camadas da sociedade se envolveu na luta "a luta pela terra se dá no começo, mas se ganha nas cidades"(João Stedile).
AS CONQUISTAS :
A elevação da renda das famílias assentadas é realidade em muitos dos assentamentos, principalmente onde as agroindústrias são desenvolvidas. Pesquisa da FAO comprova que a média da renda nos assentamentos é de 3,7 salários mínimos mensais por família. Onde as agroindústrias estão implantadas essa média sobe para 5,6 salários mensais. Além da preocupação com o aumento do poder aquisitivo, o MST investe na formação técnica e política dos assentados. O setor de educação é um dos mais atuantes, propondo ampliar o conceito de educação, para não ser sinônimo apenas de escolaridade. São mais de 38 mil estudantes e cerca de 1.500 professores diretamente envolvidos nesse projeto de uma nova educação, pela Unicef. Além dos cursos regulares, o MST promove cursos e atividades de capacitação beneficiando cerca de três mil pessoas todo o ano. Entre eles estão os cursos de magistério e o técnico em administração de cooperativas, em nível de segundo grau.
A radicalização do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é inaceitável politicamente, inócua para fazer avançar a política fundiária e irresponsável ao ferir os princípios elementares do Estado de Direito. A sucessão nada causal de invasões a sedes do Incra merece total repúdio. O MST evita o diálogo e dificulta a busca de soluções.
O Movimento sindical sempre condenou a idéia de que a questão social devesse ser tratada como um caso de política. Espanta, por isso, que seja o próprio sindicalismo a pautar-se por estratégias antidemocráticas e ilegais, assumindo assim para si a condição de criminoso.
Afinal, reivindicar é obviamente legítimo desde que obedecendo à lei e ao Estado de Direito. Algo bem diverso é fazer reféns, destacar (para não dizer agredir) funcionários públicos no cumprimento do dever e apossar-se de propriedades de terceiros, ao arrepio da lei.
O ministro da Política Fundiária, Raul Jungmann, está certo ao pedir punição para os transgressores. Pode-se até mesmo dizer que já não há controle sobre o MST. Os partidos e instituições favoráveis à reforma agrária já não controlam o MST que, por sua vez, já não controla o próprio movimento pró-reforma agrária.
Antes tido como uma organização extremamente disciplinada e hierarquizada, o MST parece ter perdido o controle sobre os diversos grupos que atuam sob a sua bandeira. É uma situação que permite até mesmo a dúvida sobre o fato de tais grupos estarem de fato ligadas ao MST ou agirem por conta própria. A situação no campo no Brasil chegou ao ponto insustentável no qual o radicalismo de cada parte apenas faz aumentar o rancor da outra, criando uma insuportável espiral de violência cujo potencial é desconhecido. Por um fim imediato a esse círculo vicioso é um imperativo.
JOSÉ RAINHA JÚNIOR, O INVASOR
Aos 35 anos, com o nome feito pôr invadir terras e prestígios desfeito pela mordomia habitacional, Rainha tem o porte de personagem de faroeste italiano. No faroeste brasileiro faz o papel de deus e o diabo na terra do sol e já perdeu a conta dos processos que está envolvido. Esfola as mãos desde menino, quando vivia ao lado dos pais e cinco irmãos em São Gabriel da Paz, no Espírito Santo, onde nasceu. "Passei fome lá", às vezes só comia mandioca amassada, ele lembra.
Rainha é um camponês que foi analfabeto até a adolescência, antes de ganhar notoriedade nacional pulando a cerca dos outros. Palavras não faltam no perfil de Rainha e sua fama que cresce com uma década de invasões em dezenove estados.
Rainha não é hoje um sem terra. Possui uma casa em Teodora Sampaio, no Pontal de Paranapanema, SP. É um sobradinho geminado com antena parabólica, máquina de lavar, geladeira e TV em cores. "O terror dos fazendeiros" como era conhecido no Espirito Santo, hoje gosta de bailes, jogar bola e torcer pelo São Paulo futebol esporte clube.
A companheira de Rainha, Diolinda Alves de Souza, de 25 anos é a primeira dama de 2.000 famílias quando o marido está fora. Também militante dos sem-terra, chegou a ser presa no lugar do marido. Rainha fala tudo errado e diz a coisa certa. A invasão para ele, é um principio justo, pois são terras sem uso e muitas vezes sem dono legitimo.
Então como se faz uma invasão? É assim: "Primeiro nóis faz um trabalho de conscientização nas comunidades sobre quais as fazendas improdutoras". Rainha antevê o ano 2000 com 20.000 famílias assentadas em 900 000 hectares no pontal, que será então um pomar. Enquanto espera pôr esse dia, continua a despachar no escritório dos sem terras, num prédio anexo a uma igreja, no bairro da Lapa, SP. É o lugar onde se faz a transição do mundo da enxada para o mundo da fartura.
Rumo ao ano 2000, ele continua carroncando a terra. Diz que, em breve irá diversificar a produção, plantando abacaxi e acerola. Assim Rainha está chegando lá - as novelas, as sementes, à mídia, ao presidente do senado e a condição de dono de terras.
Gaúcho, 42 anos, economista especializado em problemas agrários se tornou o verdadeiro maestro do MST(Movimento dos Sem Terra). Fala mansa, pequenos olhos azuis, casado pai de quatro filhos é o pulso do MST. João é fã do que escreveram sobre a questão agrária: Marx, Lênin, Kautski e o brasileiro Ruy Alarini e acredita que viverá para ver dividido o imenso latifúndio brasileiro "sou otimista".
Vindo de uma família pobre de camponeses de origem italiana, foi técnico da Secretária de Agricultura de RS. Acompanhando de perto os problemas dos camponeses. Aparti de 1979 estava com os sem-terras. Para ele o MST é um movimento popular amplo, pois as reivindicações não se esgotam na terra. Depois de consegui-lá é preciso lutar por estradas, escolas e saúde.
Assim como Rainha, João recebe um salário do MST que ele chame de "ajuda de custo" no valor de R$ 800,00, mas faz questão de ressaltar que auxilia muitas famílias com esse "salário".
O relatório "Conflitos no Campo Brasil 96"divulgado pela Comissão Pastoral da Terra(CPT), mostra que o primeiro ano do governo FHC foi o que registrou maior número de ocupações de terra: 146. As invasões cresceram 38% em relação a 1990, envolvendo 30.476 famílias. No relatório, o Presidente da República é responsabilizado pela demora na aprovação do rito sumário para as desapropriações e o Judiciário pelo aumento da violência no campo.
De 1990 a 1995, fora registrados 922 assassinatos no campo. Nesse período, 47 casos foram levados a julgamento e apenas cinco criminosos foram condenados - dois estão foragidos. A CPT apontou uma nova tendência na violência no campo: a coletivização da autoria dos crimes, com uso cada vez mais freqüente da polícia para cumprir o papel antes relegado aos pistoleiros.
"A polícia mata para os fazendeiros, na maioria das vezes agindo em conjunto com os pistoleiros.", informa o relatório.
Os pistoleiros cometeram 19 assassinatos, 21 tentativas e 41 ameaças. Policiais militares cometeram 16 assassinatos, duas tentativas e 12 ameaças. Os posseiros são os principais alvo s da violência, a mesma situação desde a década de 70. Dos 41 assassinatos no ano passado, 19 foram de posseiros e de sem-terrra.
CONFLITO DE ELDORADO NO PARÁ
O conflito começou pouco depois das 16h, quando 150 PMs chegaram à área onde 1.500 sem terra estavam acampados. O objetivo era força-los a desobstruir a Rodovia PA-150, a 650 Km de Belém, que ocuparam em protesto contra o atraso na desapropriação de terras.
Imagens de TV mostram que os PMs chegaram lançando bombas de gás. Os sem-terra reagiram com pedras e os policiais atiraram. O resultado: mais um massacre. 19 sem-terra foram mortos, sendo vários executados a sangue frio. Os corpos tinham tiros na testa e pólvora no rosto provocados por disparos à queima-roupa.
Paulo Sette Câmara - Secretário de Segurança do Pará disse que autorizou os policiais a agirem com a "força necessária e inclusive atirar se fosse necessário."
Andrade Vieira - Ministro da Agricultura encarregado da reforma agrária responsabilizou os sem terra pelas mortes.
"Chorar, deplorar e condenar a execução das próprias ordens somente quando seus resultados estarrecem a opinião pública mundial é derramar lágrimas de crocodilo no enterro das vítimas." (Mendes Leoni - Revista Veja)
"Ninguém nega que a Polícia Militar do Pará extrapolou seus limites. Todavia o líder do MST que, antes da tragédia, pelo alto-falante, incitava os que lá estavam a atacar - armados com meros pedaço de pau, pedras, foices e enxadas - os soldados armados de fuzis e metralhadoras é um completo irresponsável." (Wilson Gordon - Revista Veja)
"Imaginem-se em frente daquela multidão armada de foices, enxadas e machados vindo em sua direção. O que vocês fariam se não houvesse escapatória? Foi o que os policiais fizeram." (Valdemir Lários - Revista Veja)
"No Brasil, a sociedade civil vai-se tornando mais uma vez complacente com os movimentos revolucionários e sindicais que atuando à margem da lei e apoiados fortemente pela mídia, poderão provocar uma intervenção das Forças Armadas no processo político do país, com desdobramentos imprevisíveis, podendo levar até a uma guerra civil." (Lúcio Molinari - Revista Veja)
"Os brasileiros estão envergonhados." (Presidente do Supremo Tribunal Federal)
"É inaceitável.Esses acontecimentos marcam para sempre, de maneira trágica, a incompetência das forças que asseguram a ordem." (Fernando Henrique Cardoso - Presidente do Brasil)
O CAPITALISMO COMO AGRAVANTE DA REFORMA AGRÁRIA
A questão dos trabalhadores sem terra, hoje em dia, divide as opiniões a respeito e atrai muita polêmica. O problema da terra no Brasil é antigo, tem as razões na colonização. A estrutura agrária brasileira, formada desde então, favorece a existência de grandes propriedades latifundiárias.
O capitalismo apresenta-se como fator agravante: tem se desenvolvido no Brasil e, em especial, no campo, fazendo com que haja concentração de terras nas mãos dos latifundiários, muitas delas improdutivas, que não oferecem emprego e não contribuem para suprir necessidades essenciais da produção.
Os líderes dos trabalhadores sem-terra lutam por condições dignas de sobrevivência e moradia. O que eles querem é um pedaço de terra para morar com suas famílias, para ali poderem construir suas casas e viver do trabalho com a terra, seja plantando ou criando pequenos animais.
Os sem-terra têm sido muito criticados por sua maneira de agir e de lidar com o problema. O alvo das críticas é a ocupação por eles praticada em terras produtivas ou devolutas. A "invasão de terras" é vista como uma maneira de chamar atenção exclusivamente para este problema, como se os trabalhadores sem-terra fossem as únicas vitimas da miséria brasileira. Outros criticam as ocupações, simplesmente, pelo ato considerado ilegal de invadir propriedades alheias. Mas o fato é que a ocupação foi a forma mais expressiva encontrada para mobilizar a sociedade a respeito deste problema. E uma forma de pressionar. Só assim, tanto a sociedade, quanto o Estado, são obrigados são a refletir sobre esta parcela da população brasileira, que não tem onde morar e mesmo o que comer. A resposta do governo a este ato é que não há negociação sob pressão. Mas se os trabalhadores não pressionam, o assunto é fácil e rapidamente "esquecido".
Neste contexto, os trabalhadores sem-terra são tratados como bandidos por grandes proprietários de terras, os primeiros a sacar uma arma numa situação de conflito. Mais é necessário refletir sobre a situação desses homens, porque nenhum ser humano age com cordialidade quando vê a si mesmo e a sua família ameaçados.
A reforma agrária, ou qualquer outra medida que irá ajudar estas famílias, não é um processo rápido, mas lento e difícil. É algo para ser feito aos poucos ,de acordo com as possibilidades de cada região. As soluções, também podem ser alcançadas nas iniciativas não-governamentais, nas mãos dos latifundiários, entre outras coisas, é preciso estender o problema aos índios; é absolutamente necessário preservar áreas indígenas, não desapropriando-as, não "presenteando" latifundiários com elas, para que essas áreas não se tornem objeto de especulação financeira.
Sabe-se que a igreja possui uma considerável quantia de terras descontínuas pelo Brasil. E a uma discussão a respeito, questionando se a igreja deveria doá-los ou não para as famílias desabrigadas. Mas esta não seria uma das melhores soluções. O ideal não é distribuir famílias por terras da igrejas, as quais ao todo somam uma grande quantia, mas estão espalhadas pelo Brasil em pequenas porções. Uma boa medida seria identificar latifúndios produtivos que não cumprem a função social da terra.
"O que este livro mostra é a história de uma ilusão. Ou melhor, de muitas ilusões: nem há no Brasil tanta terra agriculturável e disponível como se imagina, nem o latifúndio improdutivo continua a ser a base da produção e mesmo da estrutura da propriedade agrícola brasileira, nem existem tantos ‘sem-terra’ ávidos pela posse da terra como se imagina.
Havendo, entretanto, e isso é indiscutível, enorme miséria no campos, assim como razoável número de sem-terra, porque, então, não se enfrentar o problema?
Estas questões não encontram caminho prático, segundo o autor, porque se parte de uma ideologia agrarista que vê no distribucionismo da terra o modo privilegiado para resolver os problemas. Este agrarismo (‘populista’, talvez) está embasado em estatísticas grosseiras, equivocadas mesmo, e em análises que não perceberam que os latifúndios se modernizaram e a agricultura se industrializou."
Quem diz isso, em prefácio ao livro referido publicado em 1991 - A Tragédia da Terra - o Fracasso da Reforma Agrária no Brasil -, de Francisco Graziano, seu amigo e colaborador desde o início de seu governo, inclusive como presidente do Incra, é o presidente Fernando Henrique Cardoso.
Essas considerações são uma espécie de resumo das conclusões a que chegou Chico Graziano depois de sua primeira experiência como membro da equipe constituída no governo Sarney pelo ministro da Reforma Agrária, Marcos Freire, para realizar o mais ambicioso plano de reforma agrária jamais elaborado no Brasil.
O seu livro é um desmentido - baseado em estatísticas, ou melhor, nos dois cadastros fundiários existentes no país, um do próprio Incra e outro do IBGE, ambos, como diz Graziano, confusos, falhos e conflitantes na definição do que seja latifúndio - a tudo que afirmam hoje os defensores da reforma agrária sobre o quadro fundiário brasileiro.
Um exemplo dessa mistificação está na página 29 do livro de Graziano, onde ele diz: "Embora os dados do Incra mostrem que os latifúndios representam perto de 26% dos imóveis rurais brasileiros e ocupam quase 70% da área total cadastrada no país, as mesmas estatísticas permitem descobrir que 58,2% desses dados latifúndios têm área menor que 100 hectares e 89,8% não atingem 500 hectares."
No caso específico de São Paulo escreve o autor do livro: "Vale a pena repetir que nenhum dos latifúndios ‘por dimensão’, do Estado de São Paulo, sofreu ação desapropriatória pelo poder público simplesmente porque não foram encontrados: eram áreas fictícias, na maioria griladas, cadastradas com documentação ilegítima, para facilitar seu registro ou sua venda. Em outros casos (poucos) constituíam propriedades produtivas, nada semelhante aos históricos latifúndios dos coronéis do sertão."
O resumo da realidade fundiária brasileira analisada por Chico Graziano é que dos 850 milhões de hectares de terra no Brasil, dos quais 400 e poucos milhões seriam apropriados para a distribuição aos sem-terra, há que descontar 60% do território nacional representado pela Amazônia, dos quais 90% são de baixíssima qualidade, mais de 80 milhões de hectares do Nordeste brasileiro, como diz o autor, "submetidos às mais severas restrições climáticas e edáficas, conhecido como polígono das secas, região onde a agricultura se faz escassamente".
Em seguida parte o autor para o Centro-Oeste, a região dos cerrados, que ocupa quase ¼ da área brasileira. Como diz Graziano, "os cerrados constituem-se de solos fracos, com elevada acidez, altos teores de alumínio (tóxico para o plantio), baixo teor de fósforo e sujeitos a um regime de chuvas com pronunciado período seco."
Há muitos outros dados desse tipo no livro de Chico Graziano, que levaram o presidente Fernando Henrique Cardoso à conclusão (que é a mesma de Graziano). Na verdade, são muito mais restritas do que alardeiam os reformistas as áreas deste imenso Brasil onde "se plantando tudo dá". Em resumo, conclusão do ex-presidente do Incra, cuja formação marxista o exime de qualquer suspeita de convivência com os latifundiários, é a de que é falsa, em primeiro lugar, a tese de que existe tanta fome nas regiões do campo no Brasil porque existe tanta terra ociosa nas mãos de latifundiários para efeito de especulação. A produção de alimento nos Brasil - no ano passado da ordem de 75 milhões de toneladas de grão - dá para alimentar fartamente os 150 milhões de brasileiros. A verdade trágica é que onde há fome é porque não existe dinheiro para comprar comida. Alimento há, com fartura e nunca esteve tão barato.
É por isso que Chico Graziano conclui: "Não se equaciona a questão agrária nos anos 90 com o paradigma elaborado nos anos 50. Para prometer cidadania aos homens do campo, não basta desapropriar os latifúndios improdutivos, embora isso deva ser feito. Os trabalhadores rurais, embora isso deva ser feito. Os trabalhadores rurais, embora possam desejar um pedaço de terra, baseiam hoje suas lutas na melhoria dos salários e das condições de trabalho. Além disso, querem saúde, educação, transporte e moradia. Querem ser cidadãos de verdade. O distributivismo agrário pouco significará na melhoria das condições de vida da massa trabalhadora. Por que? Pelo fato de o problema agrário originar-se na reprodução do capital, ou seja, na própria produção agropecuária. E não em sua negação, que é o latifúndio. Antes, a terra ociosa explicava o atraso e a miséria. Hoje não. Quem não entender isso, continuará vendo fantasmas na agricultura."
O presidente Fernando Henrique Cardoso, ao receber, quinta-feira passada, no Palácio do Planalto, líderes do MST, que mais uma vez demonstraram a sua indisposição para o diálogo democrático, começando por exigir a demissão do ministro da Justiça e do governador do Pará, e terminando por se recusarem a mudar a tática das invasões ilegais de fazendas, com certeza deve ter-se lembrado do que disse no prefácio ao livro de Chico Graziano. Porque, evidentemente, a situação descrita pelo autor de A Tragédia da Terra não se alterou com a tragédia de Curionópolis. E esta também não deve ter alterado a convicção de Graziano, endossada por FHC, de que a reforma agrária dos sonhos do MST é antieconômica e está destinada a fracassar também na quase totalidade dos casos como instrumento de redenção da cidadania dos trabalhadores rurais que ganharam um lote.
Por isso, não havia nenhuma razão objetiva para que o governo FHC alterasse sua política de reforma agrária em função da tragédia. A não ser o medo das conseqüências políticas da indignação nacional que ela provocou. O que o episódio mostrou foi a urgência de criar controles - e melhores controles condições de treinamento - para as polícias militares estaduais. Ceder diante do radicalismo do MST ao qual se resistia antes, por causa de Curionópolis, seria o mesmo que determinar um indulto de todos os criminosos de São Paulo depois do massacre de Carandiru.
Como já dissemos em outro recente editorial, a força, o poder de organização, o poder político e o potencial revolucionário exibido pelo MST tornam, sim, prioritário para o governo, por razões exclusivamente políticas, o atendimento, na medida do possível e com a maior rapidez possível, das reivindicações do Movimento dos Sem-Terra. Mas, como mais uma vez ficou evidente na reunião de seu líderes com o presidente da república, dentro dos estritos limites da lei. Porque se Fernando Henrique Cardoso ceder ao que não é razoável - e ao que não é constitucional - não apenas estará irremediavelmente desmoralizado, como estará contribuindo para uma radicalização ainda maior do movimento liderado pelo sr. Rainha e por dona Diolinda.