Trataremos
aqui dos seguintes pontos: 1) elaborar uma caracterização
do modelo; 2) apontar as prè-condições que tornam
esse modelo eficaz no contexto japonês; 3) sublinhar alguns aspectos
a nosso ver importantes sobre o caso brasileiro.
CARACTERIZAÇÃO
DO “MODELO”
Três dimensões são a nosso ver estreitamente interrelacionada:
1. O modelo japonês de organização do trabalho e da empresa.
O modelo japonês de organização industrial é percebido por uma parte de seus analistas, como consistindo num certo número de técnicas e métodos de organização do trabalho e de gestão de produção (“just-in-time”, “kanban”, círculos de controle de qualidade, controle de qualidade total, etc.)
Esse métodos e técnicas são, na realidade, praticados no interior de uma atividade em grupo, que parece decisiva para a execução do trabalho.
Como nos grupos semi-autônomos da indústria sueca, a responsabilidade na execução do trabalho é atribuída ao grupo, e não ao indivíduo. Esta característica, praticamente ausente no Brasil, é bastante difundida na empresa japonesa, qualquer que seja o tamanhon ( pequena, média ou grande), o tipo de processo industrial (produção discreta, contínua ou semi-contínua) e a categoria da mão-de-obra empregada (masculina, feminina, temporária ou estável).
Esse funcionamento em grupos de trabalho é facilitado pela quase inexitência, na indústria japonesa, da organização por posto de trabalho. Uma outra modalidade de divisão do trabalho que prevalece: é a constituída pela prática de uma polivalência generalizada (fabricação, manutenção, controle de qualidade e gestão dos fluxos assegurados pelo mesmo operário de produção) e de um rodízio bastante amplo de tarefas.
Uma diferença notável e conhecida em relação ao modelo fordista clássico se refere ao envolvimento do trabalhador no processo produtivo. Primeiramente, há uma participação maciça dos trabalhadores na inovação tecnológica. O tipo de prática e de relações sociais na grande empresa japonesa faz com que seus trabalhadores regulares participem nos processos de inovação e de desenvolvimento tecnológico, recebendo informações de todos os tipos e tendo um alto nível de escolaridade formal e formação profissional.
Essa participação ampla nas inovações, sobretudo nas inovações diferenciais faz parte constitutiva do cotidiano de trabalho na medida em que tais inovações são parte de um processo contínuo e ilimitado no tempo (“kaizen”).
Essas duas
características, o trabalho em grupo e as práticas participativas,
é que tornam possível e garantem o funcionamento do padrão
japonês de organização do trabalho. Essas duas características
são indissociáveis do sistema de relações industriais.
2. O MODELO JAPONÊS DE RELAÇÕES INDUSTRIAIS
Trata-se essencialmente do sistema de emprego e de gestão da mão-de-obra adotados pelas grandes empresas japonesas. Ele é constituído por:
A - Emprego
dito “vitalício” – o trabalhador é da empresa, e não
de um posto de trabalho, com um cargo ao qual corresponde um salários.
B - Promoção
por tempo de serviço – embora tenha havido, gradual ou brutalmente,
a introdução de critérios de desempenho, o peso do
tempo de serviço ainda é determinante na grande empresa japonesa.
C - Sindicato
de empresa – caracteriza um tipo particular de relações capital-trabalho
crsitalizado, ao nível institucional, nos sindicatos de empresa
(ausência de organização forte inter-categorial ou
confederal de trabalhadores; eleição do estabelecimento como
espaço privilegiado das práticas sindicais).
Tal modelo
de relações industriais é estreitamente relacionado
com o modelo de organização do trabalho. Alguns exemplos:
o fato do trabalhador ser recrutado por uma grande parte de sua vida ativa
para trabalhar numa empresa, sem alocação a um posto de trabalho
ou a um cargo preciso, permite uma gestão em termos de polivalência
e de rotação de tarefas. Também o fato do trabalhador
não ser recrutado para um posto de trabalho determinado e a inexistência
de um sistema de qualificações codificado em classificações,
como na França, permite o uso flexível da mão-de-obra.
3. O MODELO JAPONÊS DE RELAÇÕES ENTRE EMPRESAS
Trata-se da organização industrial inter-empresas baseadas em intercâmbio de tipo particular entre fornecedores e as grandes empresas clientes. Trata-se de um modelo hierarquizador e dualista, onde a posição de subordinação das primeiras às segundas é institucionalizada pelo diferencial de salários, por um estatuto de dependência e fidelidade.
Tais relações
não são unilaterais, na medida em que também as grandes
empresas clientes têm práticas em geral de exclusividade com
suas fornecedoras e tecem relação de colaboração
tecnológica, de programas de formação, etc. que permitem
exigir conformidade com os critérios de qualidade, e com as práticas
de gestão de produção em vigor na empresa.
4. MACRO-CONDICIONANTES PRESENTES NA EXPERIÊNCIA JAPONESA
A - Sindicalismo
de empresa, e a participação ampla dos assalariados em práticas
cuja iniciativa é da empresa sem oposição sindical,
facilita a mobilização das capacidades e qualificações
operárias para fins de desenvolvimento da competitividade industrial.
B - O nível
médio de formação escolar, profissional e técnica
é elevado, facilitando a partcipação dos trabalhadores
nos diferentes programas de qualidade.
Embora o modelo japonês seja muitas vezes identificado com alto nível de automatização de base micro-eletrônica, ele não parece ser superior ao nível atingido em certos países europeus. O que parece específico do caso japonês são mais as condições sócio-organizacionais nas quais se desenrola o projeto detalhado, a implantação, a viabilização dos processos automatizados, etc.
C - O modelo
japonês vigora no contexto de uma baixa taxaa de desempro, em torno
de 2%. Deve-se entretanto mencionar que há uma pressão social
no sentido do afastamento das mulheres, ao se casarem, do mercado de trabalho,
estas passam a configurar a categoria de “inativas” não engrossando
a faixa dos “desempregados”.
D - Especificidade
das estruturas familiares e da divisão sexual do trabalho na esfera
doméstica e profissional, com uma preeminência do grupo e
da empresa sobre o indivíduo, e uma hierarquização
rígida das relações entre velhos e jovens, homens
e mulheres.
5. CONCLUSÃO
O modelo japonês de organização do trabalho industrial, se assenta num modelo de relações industriais (sistema de emprego) e num modelo de relações entre empresas fornecedoras (sub-contratados) e empresas clientes, que possibilitam práticas como o “just-in-time” externo ou o controle de qualidade total.
Ele se basia num conjunto de relações sociais de trabalho onde há participação coletiva na inovação, na resolução de problemas, na gestão da produção e onde o processo produtivo é baseado no trabalho em grupo.
A questão inicial: o modelo japonês expressa um novo paradigma de organização ou não passa de um modelo fordista “hibrído” ? Poderíamos ser tentados a responder pela Segunda alternativa, se o critérios de avaliação for o tipo de produção ( em massa ), e o tipo de objetivo (racionalização da produção, inclusive pela intensificação do trabalho ). Isso por que o modelo japonês permite um aumento importante da competitividade e da produtividade industrial baseados numa “supressão” de elementos “supérfluos”; o “toyotismo”, baseado na idéia de supressão de tudo que é “supérfluo” tem como consequência a supressão das porosidades na jornada de trabalho e uma intensificação do trabalho que concorre com e nada fica a dever aos métodos tayloristas de organização.
Entretanto, se erigirmos como critério básico o tipo de relações sociais (o trabalho realizado em grupo, sem especialização pronunciada das tarefas, a participação nas inovações e na gestão da produção ) estaríamos longe da configuração taylorista e fordista baseada numa linha hierárquica rígida e numa relação do tipo um posto de trabalho / um trabalhador.
Finalmente,
a tese que sustentamos sobre o modelo empresarial japonês é
a de que não são apenas as inovações tecnológicas
e organizacionais que tornam inigualáveis a produtividade e a competitividade
da indústria japonesa, mas o tipo de relação social
de trabalho na empresa.
Bibliografia:
FERREIRA, Cândido
Guerra
HIRATA, Helena
MARX, Roberto
SALERNO, Mário
Sérgio.
Universidade
Estadual de Campinas. Instituto de Economia - Centro de Estudos Sindicais
e de Economia do Trabalho (CESIT); nº 4